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amarelo
Nível de Risco
Existência de indícios de possíveis problemas que possam afetar significativamente o sector petrolífero.A probabilidade de se tornar uma ameaça real é baixa, mas deverá existir uma monitorização contínua da situação.

Causes:
Devido aos problemas de fornecimento elétrico, a ENSE encontra-se a monitorizar os impactos no Setor Petrolífero Nacional.

Entrevista a Alexandre Fernandes, Vogal do Conselho de Administração da ENSE

27/05/2021

Alexandre Fernandes, foi designado pelo Governo, no passado dia 24 de abril, Vogal Executivo do Conselho de Administração da ENSE, para um mandato de três anos. Licenciado em Gestão pela Universidade Lusíada de Lisboa, possui um MBA em Marketing Management pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa.

Até à data, foi administrador e fundador da empresa e start-up Wattguard em simultâneo com a atividade de consultor para a área da energia em projetos do Asian Development Bank. Entre 2006 e 2012 foi Diretor-Geral da Agência para a Energia (ADENE); administrador da Agência de Energia e Ambiente de Lisboa (Lisboa e-nova) e presidente da rede europeia de agências de energia, a European Energy Network (EnR). Anteriormente, foi presidente do conselho de administração e diretor-geral do Grupo Shell em Portugal, tendo, durante 16 anos (1990 e 2006), exercido diversos cargos internacionais e nacionais neste grupo de energia.

No âmbito da sua nomeação, apresentamos algumas das questões colocadas para conhecer a sua visão e ambição sobre este novo desafio no setor energético.

 

Enquanto Entidade Central de Armazenagem [ECA], a ENSE é a entidade responsável pela constituição, gestão e manutenção das reservas estratégicas nacionais de petróleo e produtos petrolíferos. Parece-lhe que ainda faz sentido esta gestão de reservas de segurança num mundo cada vez mais orientado para as energias renováveis?

AF: Sem qualquer dúvida. O conceito de Reserva Estratégica está em permanente adaptação às necessidades dos consumidores, tendo começado por ser há várias décadas atrás, uma reserva quase que exclusivamente de Crude, regra que em alguns Países ainda se aplica (com alguma surpresa), para atualmente ser enquadrada no âmbito das políticas de Transição Energética, isto é, passou a englobar as diversas Fontes Energéticas, por forma a garantir nomeadamente a Segurança de Abastecimento da economia e da sociedade no seu geral.
As ECA são hoje entidades chave no conceito de reserva estratégica, seja através da gestão dos níveis de armazenamento, no balanceamento das responsabilidades entre operadores privados e o Estado, ou na intervenção nos mercados de Opções e Futuros através dos designados tickets, onde a ENSE é hoje uma referência internacional.
Atualmente, a descarbonização, passa igualmente por conseguir um mix energético ambientalmente mais eficiente, conseguindo incorporar produtos com umas menores emissões carbónicas, sejam estes produtos líquidos ou gasosos, excelentes exemplos são hoje os projetos de combustíveis de base sintética, os projetos Gas to Fuel, ou as quotas de incorporação de biocombustíveis ou biogás nos designados combustíveis convencionais.
Precisamente nas energias renováveis, dada a sua natural intermitência, há que criar e desenvolver mecanismos de ajustamento e armazenamento energético, que possibilitem em cada momento contar com a incorporação da energia verde à escala necessária e suficiente, independentemente do momento da sua produção instantânea.
Os consumidores estão cada vez mais orientados para a descarbonização, mesmo que tenham veículos a combustão (85% do mercado de veículos novos, ainda não têm mobilidade elétrica), necessitam ter a garantia que os combustíveis são cada vez mais eficientes e que naturalmente estão disponíveis mesmo em cenários de disrupção ou pandemia, ou que estão a incorporar corretamente as componentes dos referidos biocombustíveis exigidas por lei, pelo que também nesta matéria o conceito de Reserva deve ser abrangente e integrador deste tipo de combustíveis.
As energias renováveis, há muitos anos que desenvolveram o conceito de reserva, como será o caso da componente hídrica, com a disponibilização das tecnologias de rebombagem nas barragens de última geração (recordo que o País conta com cerca de 3 GW desta capacidade).
Eventualmente, algo falta ainda fazer algo em grande escala nas tecnologias de armazenagem de eletricidade utilizando baterias, especialmente na componente eólica e fotovoltaica. Talvez seja esta uma das áreas de maior previsão de crescimento futuro. Veremos o tempo que demorará a ter sistemas que consigam armazenar abaixo dos $100 ou mesmo $50 por kWh, certamente um dos desafios da presente década.
Importa conseguir acelerar a incorporação de Hidrogénio Verde, numa primeira fase especialmente na indústria e transportes, que certamente pode constituir um vetor chave na lógica da gestão da Reserva Energética do futuro próximo, aqui certamente que caminharemos rapidamente para custos de produção inferiores a $3 ou €2 por kg. Obviamente que os mais céticos, vão dizer que estaremos a ser muito otimistas, mas a inovação e desenvolvimento tecnológico farão o seu caminho.

 

Tendo em conta as competências mais recentes da Entidade Nacional para o Setor Energético, relativamente à área da fiscalização, qual pensa que poderá ser o seu contributo para a empresa crescer nesta área?

AF: O meu contributo será a visão empresarial que sempre incorporo na análise e discussão das matérias, que na realidade é a minha base de formação profissional no setor, que recordo, foi iniciada nos anos 90 numa das maiores multinacionais do setor energético, repito energético e não petrolífero, pois são estes grupos globais, que hoje estão envolvidos na descarbonização da economia, com ambiciosas metas a 2030 e 2050, sem praticamente exceção à regra.
Assim, enquanto à fiscalização do setor, deveremos procurar partir do consumidor e não do produto. Importa saber que necessidades queremos satisfazer aos nossos consumidores, pois por vezes esquecemos que eles compram energia em forma de litros, kg ou kWh, no entanto o que querem satisfazer na realidade, são essencialmente as suas necessidades de mobilidade, aquecimento ou arrefecimento.
Desta forma, importa criar e desenvolver mecanismos de fiscalização, por forma a que estas designadas necessidades de consumo, sejam satisfeitas com eficiência e eficácia, garantindo a qualidade de serviços e produtos dos vários agentes e operadores do mercado, nas suas várias vertentes e fontes energéticas.

 

Grande parte do seu percurso profissional foi passado no setor privado, tendo acumulado nos últimos anos alguns cargos em entidades sem fins lucrativos. Neste contexto, quais são atualmente, na sua perspetiva, os maiores desafios que enfrentam as empresas públicas?

AF: As empresas públicas, são um player ou agente fundamental num mundo cada vez mais global e digital. Podemos imaginar o que seria a resposta à crise pandémica que nos envolve, caso não existissem empresas e entidades públicas fortes e dinâmicas.
Estas empresas, tem obviamente de incorporar fatores de produtividade, integrando indicadores de desempenho, que muitas vezes podem ser associados mais ao setor privado, no entanto estes mesmos fatores, podem e devem ser adaptados à dinâmica pública por forma a que estas entidades cada vez respondam melhor e mais rapidamente às necessidades do cidadão enquanto utentes ou consumidores.

 

Com uma experiência de mais de 30 anos no setor da energia, teve oportunidade, ao longo da sua carreira, de acompanhar as mudanças que foram surgindo no setor. Qual a sua perspetiva face aos próximos 30 anos, em Portugal?

AF: Diria que vamos viver essencialmente uma revolução climática, digital e educacional.
O Mundo que conheci quando iniciei o meu trajeto profissional, era baseado na energia fóssil (essencialmente petróleo e carvão), onde a única alternativa com escala era a energia nuclear.
Pensarmos que há trinta anos atrás, nas primeiras décadas do novo milénio, mais de metade da nossa eletricidade seria de base renovável, era quase impensável, isso aconteceu e vai acelerar na presente década, dinamizada por uma política de incentivo à inovação de processos e produtos, que se traduzirão na vertente energética do hidrogénio como fonte competitiva, no forte incremento da produção descentralizada de energia renovável nomeadamente nos nossos edifícios e indústrias, bem como no aumento da mobilidade elétrica nos transporte de pessoas e mercadorias.
Estive várias vezes a trabalhar na Ásia nos últimos anos, e constato que que dentro de alguns anos, qualquer cidadão, independentemente da zona do Mundo onde viva, quererá e deverá, terá o direito de ter um padrão de vida, educação e consumo ao nível do que nós Europeus atualmente temos, e isso, somente será possível num cenário de descarbonização acelerada da economia energética, que em muito a digitalização irá potenciar, no entanto agora e cada vez mais, devidamente enquadrado numa sociedade de educação e valores globais, para os quais as sociedades estão a evoluir rapidamente.
Os nossos filhos assim nos exigem!