Tendo como mote de fundo o Dia Mundial da Energia, é nosso propósito dar a conhecer os termos e a evolução dos acordos internacionais em que Portugal é parte, precisamente sobre o tema da energia, nomeadamente a origem e recentes desenvolvimentos da Carta da Energia.
Portugal é parte no tratado da Carta da Energia e do protocolo da carta da energia relativo à eficiência energética e aos aspetos ambientais associados, aprovados, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 36/96 e ratificados pelo Decreto do Presidente da República n.º 29/96, ambos publicados no Diário da República, 1.ª série, n.º 265, de 15 de novembro de 1996. Qual é o significado, e importância deste tratado? Suas origens, objetivos concretos e desenvolvimentos recentes. É este o tema que aqui nos vai ocupar, cintes que este é o momento de dar a conhecer aos nossos leitores os termos deste tratado, tema de grande importância na atual fase de transição energética, pautado pela procura de fontes energéticas renováveis, alternativas à queima de derivados do petróleo pelas razões sobejamente conhecidas.
Os primeiros “acordes” da Carta Europeia da Energia estão associados ao colapso da antiga União Soviética, e à preocupação que esta nova reorganização geopolítica implicou, à data; principalmente porque estava em causa o fornecimento de energia ao ocidente a partir dos novos estados surgidos a leste. Basicamente, era do interesse do ocidente garantir a correta e integral sub-rogação dos novos estados, entretanto independentes, nas anteriores obrigações da ex-URSS em termos de fornecimento de energia. Em vista destes objetivos iniciais, em dezembro de 1991, a Carta Europeia da Energia foi assinada em Haia por iniciativa do então primeiro-ministro holandês, Senhor Ruud Lubbers, na qualidade de Presidente de turno da Comunidade Europeia no ano de 1990. Este primeiro protocolo procurou, assim, garantir uma relação pacífica e segura que garantisse o trânsito de energia entre o ocidente, representado, à data, pela Comunidade Europeia, Estados Unidos e Canadá, e pelos países entretanto independentes a leste, ricos em petróleo: Rússia e Cazaquistão, e ainda estados estrategicamente posicionados no mapa para efeitos de trâansito do petróleo, a Ucrânia e a Bielorrússia. Podemos assim afirmar, sem grande margem de erro, que este tratado teve como objetivo declarado, a criação de uma comunidade energética entre ambos os lados da antiga cortina de ferro, comunidade esta, assente em dois pilares fundamentais e complementares: i) o mercado de capitais e conhecimento tecnológico, a ocidente, ii) e os recursos naturais, a leste.
Decorridos apenas três anos após o primeiro impulso desta primeira comunidade energética, e mais precisamente no dia 17 de dezembro de 1994, foi assinada em Lisboa o tratado da Carta da Energia e do Protocolo da Carta da Energia Relativo à Eficiência Energética e aos Aspetos Ambientais [1] . Este tratado suprimiu, em primeira linha, a referência “Europeia” que a “Carta Europeia” transportava desde 1991, com o propósito declarado de aproximação à Organização Mundial do Comércio (OMC), e acolher novos estados signatários muito além das fronteiras europeias.
Ademais, o tratado da Carta da Energia constitui o primeiro acordo económico que une todas as repúblicas da antiga URSS, os países da Europa Central e Oriental, as Comunidades Europeias e seus Estados membros, países europeus da OCDE, Japão e Austrália, com um objetivo comum de promover a segurança energética [2] através de mercados mais abertos e competitivos, respeitando os princípios do desenvolvimento sustentável e a soberania sobre os recursos energéticos, em conformidade com os princípios enunciados, e foi outorgada por 49 Estados. O tratado assenta em três vetores essenciais, que podemos resumir da seguinte forma: i) proteção do investimento estrangeiro, com base no tratamento igualitário aplicável aos nacionais do Estado onde se encontram a realizar esse investimento; ii) o estabelecimento de condições não discriminatórias para o comércio, tendo como base as regras da OMC; iii) a promoção da eficiência energia e o esforço para minimizar o impacto ambiental do uso e produção de energia (vetor este que destacamos pela sua atualidade e importância).
Porque a realidade é dinâmica, e o mundo da energia está em constante mutação, a globalização impôs novas regras, principalmente ao nível da segurança e da sustentabilidade, razão pela qual o secretariado do tratado da Carta promoveu a realização de uma conferência ministerial com a participação de 80 Estados soberanos, que decorreu em Haia no dia 21 de maio de 2015, berço da “Carta Europeia da Energia”, tal como ficou dito mais acima, e que culminou com a assinatura de uma Carta Internacional de Energia, que inclui uma nova declaração política de fortalecimento da cooperação energética entre os estados signatários, tendente a fazer face às novas exigências das sociedades do sec. XXI no que à energia diz respeito. Esta nova declaração assenta, basicamente, nas seguintes premissas: i) o acesso aos novos mercados energéticos em igualdade de circunstâncias, garantindo a concorrência e igualdade de armas; ii) o apoio aos países emergentes em matéria de energia; iii) o forte investimento em novas fontes de energia renováveis e limpas; iv) a luta contra a pobreza energética.
Olhando, pois, para o texto da Carta Internacional de Energia, resulta à saciedade que pouco resta da carta Europeias da Energia assinada em 1991, uma vez que deixou de ser um instrumento valioso para a proteção de investimentos em atividades e infraestruturas de energia, passando, antes sim, a integrar uma nova política energética a implementar de forma global, através de um compromisso de investimento dos estados signatários em energias renováveis e em eficiência energética, apostando ainda na redução do consumo energético. Numa palavra, pugnar por um sistema de energia ambientalmente sustentável em todo o globo.
Assim, assistimos, à transição – em pouco mais de 24 anos – à transmutação do cunho europeu da Carta de 1991, para a mundialização da Carta de 2015, o que é demonstrativo da importância do mercado de energia, e o empenho de todos os estados signatários na procura de soluções justas e ambientalmente sustentáveis para o paradigma energético dos anos vindouros.
Filipe Meirinho,
Presidente do Conselho de Administração
[1] Para conhecer os estados signatários, consultar o Aviso n.º 26/2017, publicado no Diário da República, 1.ª série nº 71, de 10 de abril de 2017, em: https://dre.pt/application/conteudo/106858890