Artigo de Opinião
Após alguns anos sem responsabilidades nem intervenção directas no sector energético, foi com gosto que aceitei o desafio de presidir ao Conselho Consultivo da Unidade das Reservas Petrolíferas da ENSE. Tendo desenvolvido a maior parte da minha vida profissional ligado à indústria petrolífera, reencontro-me com um panorama substancialmente diferente daquele que protagonizei há meia dúzia de anos.
Por um lado, assisto à corrida dos principais Majors de Oil & Gas pelos activos de Shale nos EUA. A revolução que esta tecnologia potenciou não é recente, mas tem-se caracterizado nas últimas décadas por uma estrutura pulverizada de pequenos operadores independentes que com maior ou menor sucesso foram gerindo a produção, segundo o retorno que os mercados vão oferecendo. A tecnologia já madura e a existência de reservas muito apreciáveis neste tipo de bacias, levam a um processo de consolidação com transferência dos activos para as principais petrolíferas verticalmente integradas. Talvez seja um reflexo do que parece ser uma visão mais ou menos consensual sobre o papel do gás natural num processo de transição que pessoalmente não vejo ainda claro.
E são estas mesmas empresas que há muito já perceberam que a descarbonização da economia levará inevitavelmente à electrificação crescente das sociedades, transferindo o grosso dos investimentos e dos modelos de negócio para fontes energéticas renováveis. É raro o dia em a imprensa económica internacional não faz eco de investimentos das petrolíferas tradicionais em empresas de baterias ou de fornecimento de carregadores para mobilidade eléctrica, tomadas de posição no capital de entidades detentoras de centrais de produção eléctrica eólicas ou fotovoltaicas, aquisição de start ups para o desenvolvimento de tecnologias alternativas nas áreas do hidrogénio ou dos biocombustíveis, e tudo com a mirada posta na transformação digital, um cliché ainda com pouco significado prático para os curiosos como eu.
Confesso que durante os anos em que trabalhei na indústria petrolífera, nunca senti a mais pequena inquietação nem curiosidade relativamente ao funcionamento e modelos do sector eléctrico. Suponho que o mesmo aconteceria com os meus colegas que produzem, distribuem e comercializam electricidade, relativamente ao funcionamento e modelos duma petrolífera. Mas o panorama mudou radicalmente. Os mesmos que antes vendiam electricidade, vendem agora também gás. E divisam no horizonte uma oportunidade colossal de colocar os seus electrões como principal fonte da mobilidade. Os que antes se preocupavam exclusivamente com a refinação e distribuição de produtos derivados do petróleo, passaram a competir como Utilities, com aspirações até de se virem a constituir nas maiores Utilities do mercado.
Parece provável que o novo paradigma energético que emerge, resultará numa maior diversificação do mix energético, com enormes implicações na estrutura e competências dos que então foram os incumbentes dos mercados de energia.
É nessa perspectiva que leio as recentes alterações no enquadramento regulatório do nosso sistema energético, com a redefinição de competências da ERSE, DGEG, ENSE e LNEG. Será um desafio dotar todas estas entidades das valências necessárias ao entendimento e supervisão dos vários elementos na cadeia de valor, como o é a busca e desenvolvimento de talento para as empresas energéticas que outrora se focavam prioritariamente numa única actividade.
Nos termos da normativa em vigor, Portugal e os restantes países da OCDE continuam obrigados à manutenção de Reservas de Produtos Petrolíferos. No nosso país a responsabilidade da gestão de 1/3 dessas reservas (30 dias) é da Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), sendo os restantes 60 dias responsabilidade directa dos operadores do sistema. Não me surpreenderia que em vista da transformação operada na geopolítica dos produtos fósseis e do rumo definido pela maioria das economias desenvolvidas para a descarbonização das economias, a escala destas reservas obrigatórias possa vir a ser reequacionada pelas organizações internacionais competentes.