Skip to main content
amarelo
Nível de Risco
Existência de indícios de possíveis problemas que possam afetar significativamente o sector petrolífero.A probabilidade de se tornar uma ameaça real é baixa, mas deverá existir uma monitorização contínua da situação.

Causes:
Devido aos problemas de fornecimento elétrico, a ENSE encontra-se a monitorizar os impactos no Setor Petrolífero Nacional.

GPL/GNL: novos desafios para o mercado rodoviário nacional

24/02/2023

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 84/2022, de 9 de dezembro, foi dado o “pontapé de saída” para a contabilização do biogás no cumprimento das metas nacionais de incorporação de combustíveis de baixo teor em carbono no setor dos transportes, uma vez que a avaliação das metas nacionais irá incidir sobre “as quantidades de combustíveis rodoviários introduzidos no consumo” não excluindo o gás de petróleo liquefeito e o gás natural, facto previsto na legislação anterior.

A meta definida para o ano de 2023, é de 11,5%, estando, no entanto, a fração de gás de petróleo liquefeito isenta da obrigação de incorporação de biocombustíveis avançados.

Até ao final de 2022, apenas os combustíveis líquidos (gasóleo e gasolina) estavam obrigados assegurar a incorporação de biocombustíveis, sendo estes, quando sustentáveis, elegíveis para a emissão de títulos de biocombustível (TdB), os quais permitiam o cumprimento de metas de incorporação no combustível rodoviário. Este cumprimento poderia ser ainda realizado através da apresentação de TdB bonificados (dupla contagem), uma vez que as metas de incorporação são avaliadas em teor energético.

Os pressupostos para a emissão de TdB para os biocombustíveis líquidos são agora estendidos ao biogás, incorporado no GPL, visto este combustível estar incluído no mix energético sobre o qual é avaliado o cumprimento de incorporação de combustíveis com baixo teor em carbono, dando assim mais um passo rumo à meta comunitária de uma quota de energia de fontes renováveis no consumo final bruto de energia nos transportes, de pelo menos 29% em 2030.

No que concerne ao impacto direto destas alterações no mercado nacional, e em particular da inclusão do GPL/GNL na contabilização no consumo final bruto de energia para o cumprimento de metas de redução da emissão de gases com efeito de estufa (GEE), espera-se que exista uma adaptação lenta do mercado nacional.

Ficando agora legislado que o biogás (biometano), biopropano e os gases de origem renovável serão vetores para os fornecedores de combustíveis cumprirem as metas de incorporação de combustíveis de baixo teor em carbono a que estão obrigados, surge agora a necessidade de adaptação na procura, produção e distribuição deste tipo de produtos no mercado nacional.
Colocam-se assim, dois cenários que são necessários analisar:

1) Agentes económicos cujo core de atividade é a introdução no consumo de combustíveis líquidos: estes não sentirão grande pressão legal para o cumprimento das metas, pelo que mantendo a sua atividade de incorporação de combustíveis de baixo teor em carbono (biocombustíveis) nos combustíveis fósseis conseguirão, à partida, cumprir as metas a que são obrigados;

2) Agentes económicos cujo core de atividade é a introdução no consumo de essencialmente de GPL/GNL: estando agora obrigados a cumprir metas através da introdução no consumo de combustíveis de baixo teor em carbono, substitutos de GPL/GNL, e cuja incorporação de biocombustíveis nos combustíveis líquidos não será suficiente para suprir a quota inerente aos gases renováveis a incorporar no GPL/GNL, terão a necessidade de recorrer ao mercado de compra/venda de TdB/TdC, a criar em 2023 (Decreto-Lei n.º 84/2022), mercado esse que como é sabido, não apresenta grande robustez para a transação dos títulos, não sendo certo, assim, que consigam o número necessário que lhes permitirá cumprir as metas do gás, colocando-se a questão: “conseguirão estes fornecedores de combustíveis cumprir as suas metas do GPL/GNL através da incorporação de gás sustentável?”

Fruto da atividade da ENSE, sabemos que existe um problema por parte destes para cumprirem as metas a que estão obrigados, devido, não só, ao limite de disponibilidade no mercado nacional e europeu de biogás, mas também de gases de origem renovável ou de baixo teor de carbono (GEE < 36,4 gCO2eq/MJ) para consumo rodoviário.

O aumento da procura de carros a GPL poderá estimular a adaptação do mercado nacional, incentivando, por exemplo, a produção de combustíveis substitutos renováveis, uma vez que atualmente, o custo médio do GPL versus combustíveis líquidos é cerca de metade do valor. Além de serem menos poluentes e já não apresentarem os problemas de segurança que durante anos estigmatizaram este tipo de veículos, conseguindo ainda atingir uma potência equivalente à de um carro a gasolina. No entanto, é expectável que com a obrigação do cumprimento de metas de incorporação no GPL os preços venham a subir substancialmente, podendo de algum modo aproximar-se dos praticados nos combustíveis líquidos.

Um bom indicador a ter em conta são as estatísticas que apontam para um aumento da procura de carros a GPL: o número de veículos rodoviários motorizados em circulação entre 2010 e 2021 subiu 30% nos movidos a gasóleo, baixou 14% nos a gasolina e subiu 60% nos movidos a GPL, embora, em 2021, estes representarem apenas 0,9% do total de veículos motorizados em circulação em Portugal, segundo informações do INE.

Por outro lado, estes veículos apresentam um maior consumo (se neste sentido o fator preço continuará a compensar, só o tempo o dirá), há ainda questões relacionados com a conversão dispendiosa dos carros a gasolina para o sistema GPL e os preços de origem destes veículos afastam os compradores.

A par disto, o ainda limitado número de postos de abastecimento de GPL, com capacidade de resposta, em alternativa ao consumo de combustíveis líquidos, junta-se à lista de contras que precisarão de tempo para serem ajustados e assim se tornarem numa alternativa válida pelo lado da procura e que, consequentemente, justifique a produção nacional deste tipo de combustíveis de baixo teor em carbono que sejam uma alternativa efetiva para incorporação no GPL, baixando assim, não só a dependência dos combustíveis líquidos como também a dependência da importação dos mesmos.

As cerca de 70 instalações existentes, em Portugal, que produzem biogás, estão focadas no mercado da eletricidade. A sua adaptação à produção de combustíveis de baixo teor em carbono para o mercado rodoviário poderá ser uma alternativa caso se revele mais lucrativa para estas unidades de produção, além da abertura de novas unidades de produção exclusivamente dedicadas a esse propósito, de forma a não só tornar Portugal menos dependente das importações mas também a que de uma forma efetiva os fornecedores de GPL ao mercado nacional, cumpram as suas obrigações de incorporação.

Assim, 2023 adivinha-se um ano com três principais desafios no setor:

  • Para os fornecedores de combustíveis, essencialmente de GPL/GNL, o cumprimento das metas de incorporação de combustíveis de baixo teor em carbono a que passam a estar obrigados;
  • Para os fornecedores de combustíveis cuja principal atividade corresponderá à introdução no consumo de combustíveis líquidos, agora com a fração de combustíveis gasosos, esta também terá de ser contabilizada para o cumprimento das suas obrigações de incorporação, embora, de certa forma, mais facilmente contornem essas necessidades através da contabilização dos TdB bonificados associados às frações de biocombustíveis sustentáveis de origem residual;
  • Para os produtores de gases de origem renovável (biológica/não biológica) poderá ser um ano de adaptações e implementações mas que muito provavelmente não serão visíveis do ponto de vista do consumidor ao longo de 2023, uma vez que os investimentos no setor da energia levam sempre tempo até surtirem efeitos.