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amarelo
Nível de Risco
Existência de indícios de possíveis problemas que possam afetar significativamente o sector petrolífero.A probabilidade de se tornar uma ameaça real é baixa, mas deverá existir uma monitorização contínua da situação.

Causes:
Devido aos problemas de fornecimento elétrico, a ENSE encontra-se a monitorizar os impactos no Setor Petrolífero Nacional.

Interconectividades e segurança energética

25/02/2021

A segurança das infraestruturas críticas de armazenamento e transporte de energia, quer seja na sua dimensão física, quer seja na sua dimensão virtual – esta última cada vez mais importante no que ao contexto de segurança diz respeito -, é uma garantia de continuidade de fornecimento de um bem essencial ao funcionamento da comunidade no seu todo; a energia. O tema da segurança energética já foi objeto de análise e aprofundamento na nossa newsletter mensal, tendo ficado em aberto o regresso a este mesmo tema, pela sua importância atual e futura (1). A procura de alternativas à dependência dos carburantes exige uma maior dependência de outras fontes de energia, o que vai alterar o paradigma da segurança energética, não assente nos métodos utilizados para garantir o fornecimento de combustíveis derivados do petróleo, como sejam a constituição de reservas estratégicas e de emergência por parte dos estados, a tal invocada dimensão física a que fizemos referência mais acima, mas antes sim através do recurso a novos métodos que impeçam a quebra contínua do fornecimento de energia. Com efeito, o momento atual apresenta um recurso cada vez maior a um mix energético diversificado para fazer face às necessidades energéticas das comunidades, assente no recurso crescente à eletrificação através da produção de energia com recurso a renováveis (2), e bem assim ao aumento na eficiência energética (3). Contudo, vamos assistir ainda durante alguns anos a um período de transição mais ou menos longo, dependendo das fontes consultadas, durante o qual não está garantida a segurança energética sem o recurso ao fornecimento de hidrocarbonetos. Daí que, e segundo a nossa opinião, é fundamental que os estados e as instâncias europeias ponderem seriamente a implementação, a muito curto prazo, de uma estratégia de segurança energética integrada, que inclua as tradicionais reservas de petróleo e de gás natural, e bem assim as interconectividades elétricas entre estados e regiões, dando corpo ao que ficou dito mais acima quanto ao período de transição para descarbonizar a economia. Isto porque apostar na eletrificação total (ou praticamente total) da sociedade, implica novas fórmulas que garantam a segurança energética (4), dado que, pelo menos com a tecnologia conhecida, ainda não é possível armazenar eletricidade em quantidade suficiente que permita abastecer a rede, à semelhança do que acontece com as reservas de combustíveis líquidos que assentam a sua lógica na manutenção do consumo durante 90 dias, sem recurso a abastecimentos adicionais, impossível, neste momento, para a eletricidade conforme vem referido.

Esta realidade responde por si só ao desafio da segurança energética, cujo conceito aqui recordamos: «disponibilidade de energia para servir uma determinada procura, num determinado espaço de tempo, forma e local (5)». Mas nada como falar de insegurança energética, para melhor compreender o conforto transmitido pelo conceito de segurança energética, sendo que a primeira, a insegurança energética, gera efeitos e fenómenos sociais indesejáveis, como sejam, em primeiro lugar, e para citar apenas os menos nefastos: o aumento dos preços, o que vai implicar, por parte dos setores mais intensivos no uso de energia, reações e exigências imediatas no controlo administrativo dos preços, provocando, adicionalmente, conflitos de interesses ente atividades subvencionadas e não subvencionas pelo Estado. Além disso, embora a transmissão dos aumentos de preços ao consumidor seja necessária para ajustar os mercados, levanta problemas de equidade no acesso à energia para os segmentos de menores rendimentos, causando conflitos sociais de monta. E tudo isto a curto prazo, na medida em que a médio ou longo prazo, os efeitos da falta de energia são nefastos para a economia e a sociedade no seu todo, pois a dependência energética é cada vez maior, basta pensar que a falta de energia elétrica impede o fornecimento de combustíveis líquidos, pois que os mecanismos de bombagem funcionam a eletricidade.

Esta preocupação com a segurança energética, e os novos desafios que vão ser colocados aos estados nos próximos tempos, em função da rápida eletrificação dos mais diversos setores da economia, são bem evidentes no texto do Regulamento relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática, Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 (6), que inclui a referência explícita ao objetivo de 15% de interconexões elétricas entre os diversos estados da EU, para 2030, como uma das prioridades em termos de segurança energética. Mas para que os nossos leitores assimilem o conceito de “interconectividade da eletricidade”, e como é que estas interconectividades são importantes para a segurança energética, ao ponto de rivalizarem com as reservas petrolíferas dos estados, deixamos aqui um pequeno vislumbre, sem aprofundamento técnico. As interconectividades da eletricidade constituem um conjunto de linhas e subestações que permitem a troca de eletricidade entre os países vizinhos e aproveitar desta forma sinergias para fornecer sistemas elétricos mais robusto e seguros. E veja-se que esta ideia do recurso a interligações elétricas nem é nova, e surgiu logo após o fim da segunda Guerra Mundial, com o objetivo declarado de contribuir para o desenvolvimento da atividade económica do pós-guerra, tendente ao uso eficiente de recursos energéticos, através do impulso de oito países (Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo, Holanda, Áustria e Suíça), que conjuntamente elaboraram os estatutos da União para a Coordenação de Produção e Transporte de Energia Elétrica (UCPTE) (7). Com efeito, a eletrificação coloca grandes desafios ao processo de produção e distribuição de eletricidade, obrigando as empresas a recorrer a tecnologias digitais em toda a cadeia de valor, desde a geração até à distribuição ao consumidor final, o que dá corpo à preocupação pela dimensão virtual da segurança, invocada logo no início deste nosso artigo. E tudo se complica quando o consumidor passa já a agir não só como agente passivo no consumo de eletricidade, assumindo, antes sim, o papel de produtor, com a possibilidade de “injetar” na rede de distribuição o excedente da produção, o que vai implicar mudanças no relacionamento com as empresas e no modelo de negócio das distribuidoras, tornando-as facilitadoras de mercado que exploram a grande quantidade de informações disponíveis para eles e oferecer novos serviços relacionados com alto valor agregado. Daí que o futuro do transporte de energia elétrica implica uma melhor integração de tecnologias digitais e o desenvolvimento de infraestruturas de ligação para energias renováveis; tudo novos desafios para a segurança energética.

Invocando agora a nossa experiência quanto ao tema que aqui nos ocupa, consideramos que a Estratégia de Segurança Nacional deve assentar em três linhas fundamentais, a saber: 1.ª, diversificar as fontes de energia, a 2.ª, garantir a segurança do transporte da energia e do abastecimento, e 3.ª promover a sustentabilidade energética. Estas linhas estratégicas pressupõem três vertentes que devem ser garantidas, independentemente da fonte de energia: o abastecimento, a distribuição e consumo. Quanto à diversificação das fontes (1.ª linha), e não podemos esquecer que o nosso focus é a segurança energética, implica a diversificação do cabaz energético, que passa pela promoção de uma política energética comum a todos os Estados, e que promova, por um lado, as interconexões elétricas entre os Estados-Membros, nomeadamente entre o território nacional e o resto da Europa; por outro lado, e não menos importante, a reboque do ponto anterior, avançar para a criação um mercado europeu da eletricidade e do gás natural totalmente integrado; e por fim, e dado que estamos a falar num futuro próximo, atualização da gestão das reservas de petróleo num contexto Europeu. Já quanto à 2ª linha, a segurança do transporte da energia, recorde-se, importa proceder à flexibilidade operacional do sistema nacional de redes de transporte de energia, ao reforço das comunicações terrestres, criar alternativas à distribuição rodoviária de carburantes, e dotar a entidade responsável pela fiscalização do setor energético de um eficaz e integrado quadro legal que permita um efetivo acompanhamento da distribuição de energia, independentemente da forma como chega aos consumidores (sejam industriais ou domésticos). Por último, na área do consumo (a 3ª), desenvolvem-se linhas de ação estratégicas que visem promover a poupança de energia e melhorar a eficiência energética; a promoção da sustentabilidade energética e a promoção de um quadro regulamentar harmonizado, transparente e objetivo que aumenta a segurança jurídica e a competitividade das empresas.

Regressando agora ao tema da interconectividade da eletricidade e, portanto, o acesso a novos pontos e armazenagem e produção, é inegável que a um aumento de interconectividade, corresponde uma redução da vulnerabilidade física da rede nacional perante quebras de fornecimento, basicamente de duas maneiras. Em primeiro lugar, oferece flexibilidade para substituir a interrupção de uma fonte conectada à rede por outra alternativa, mesmo que temporariamente. Em segundo lugar, “regionaliza” a interrupção, e com o aumento do número de afetados, a capacidade de pressão aumenta antes da origem da referida interrupção, o que vai ter um efeito que “europeíza” a segurança energética do país afetado, mitigando desta feita os efeitos nefasto de uma interrupção do fornecimento de eletricidade. A questão é, pois, e relativamente a Portugal, seja através do reforço da interconectividade da Península Ibérica e o resto da Europa, a partir de França, ou através do reforço da interconectividade entre os países ibéricos, a verdade é que o papel do Estado, seja como regulador, seja como fiscalizador, tem que ser reforçado, numa lógica semelhante ao sistema de reservas petrolíferas, não por uma vontade de controlo, mas antes sim por uma questão de segurança energética, uma das obrigações do Estado.

 

Filipe Meirinho,
Presidente do Conselho de Administração

 

 

 

(1) Segurança Energética em Tempos de Mudança (Tema 1 – Reservas Petrolíferas)
https://www.ense-epe.pt/?na=view&id=91; Segurança Energética em Tempos de Mudança (Tema II – Reservas de Gás Natural) https://www.ense-epe.pt/?na=view&id=103; Segurança energética no setor da energia elétrica https://www.ense-epe.pt/?na=view&id=120
(2) O futuro do modelo elétrico (descentralizado) assenta em cinco pilares fundamentais: i) renováveis; ii) inovação tecnológica; iii) o recurso a redes inteligentes; iv) uma gestão integrada da procura; v) e o papel central do consumidor, que pode assumir – em simultâneo – a condição de produtor
(3) As opções nacionais assentam em três prioridades: i) redução de emissões de gases com efeito de estufa entre 45% e 55% até 2030, em relação a 2005; ii) uma incorporação de 47% de fontes de energia renovável no consumo final bruto de energia e iii) uma aposta na eficiência energética traduzida na redução de 35% de energia primária. In: PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, neste momento em consulta pública
(4) A dependência exclusiva de eletricidade seria catastrófica em caso de uma grave apagão, como aconteceu recentemente nos EUA, em que milhões de pessoas ficaram de acesso a esta fonte de energia. Ver: https://www.rtp.pt/noticias/mundo/milhoes-de-pessoas-nos-estados-unidos-ficam-sem-eletricidade-por-causa-do-frio_n1298173
(5) ver texto do TEMA I sinalizado
(6) https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32018R1999&from=EN
(7) Para aprofundar este tema, ver: 05.UCTE_Geschichtsbuch_RZ.indd (entsoe.eu)