Este é o primeiro artigo que dedicamos à segurança energética, sendo que é nosso propósito abordar este tema que consideramos de capital importância – dada a fase de transição energética para fontes renováveis – em três tópicos distintos, a publicar na nossa newsletter: reservas petrolíferas (tema 1), reservas de gás natural (tema 2) e interconexões por forma a garantir o fornecimento de energia elétrica (tema 3).
Reconhecemos a dificuldade em definir “segurança energética”, apesar da simplicidade do conceito, e a forma como o mesmo pode ser apreendido, mesmo que na maioria dos casos essa apreensão seja imprecisa. Arriscamos, pois, a definir segurança energética como sendo a «disponibilidade de energia para servir uma determinada procura, num determinado espaço de tempo, forma e local».
No que à segurança energética diz respeito, a sociedade no seu todo espera, dos poderes públicos, ações que garantam a eficiência e a eficácia no sentido de garantir o fornecimento de energia, e que esse fornecimento seja exequível e acessível a todos, a um preço e quantidade compatível com a economia do país, em cada momento da história. A segurança energética é, essencialmente, isto.
O “armazenamento” de energia (petróleo, gás e eletricidade) tem um papel fundamental a desempenhar na transição para uma economia neutra em carbono e aborda vários dos princípios centrais do Clean energy for all Europeans package.
Esta nossa abordagem sobre a segurança energética, visa, no essencial, aprofundar este tema num momento de transição energética, dando nota da estratégia da UE – União Europeia em matéria de «segurança energética», tendo em conta a tentativa de definição que mais acima foi ensaiada.
O tema da segurança energética deve merecer a maior importância no momento atual, isto tendo em conta a volatilidade dos preços dos produtos petrolíferos, muito pela instabilidade geopolítica das regiões do globo que concentram os principias produtores e exportadores de petróleo bruto; a energia elétrica e o seu fornecimento contínuo tornaram-se essenciais no modelo de vida atual; a crescente substituição de fontes energéticas, tendo em conta a preservação ambiental e a redução da pegada de carbono, que é um dos principais objetivos da UE e dos Estados. E este tema é tanto mais importante quando olhamos para o peso do elemento psicológico que a segurança energética transporta, muito por efeito da importância estratégica que tem a energia para os Estados, bastando aqui recordar os efeitos da recente crise energética que ocorreu em Portugal no verão de 2019, provocada pela greve de trabalhadores das empresas transportadoras.
Recorrendo de novo à definição que já apresentámos, a segurança energética está, pois, associada ao dever de garantir o abastecimento constante do consumo energético das comunidades que constituem os Estados, bem sabendo que em primeiríssima instância, cabe aos Estados garantirem essa mesma segurança energética, responsabilidade esta que é partilhada com as empresas que intervêm em toda a fileira energética, sendo elas as principais destinatárias das normas que regulamentam as reservas estratégicas (petróleo e gás) e as interconexões de energia elétrica, principais medidas que garantem o fornecimento das populações, conforme vai ser abordado mais à frente.
A questão da segurança energética atingiu o seu auge durante a década de 1970, com o embargo petrolífero imposto pelos principais produtores, embargo este que teve o condão de revelar os perigos associados à dependência, mas sobretudo a dependência energética de uma região que foi, desde sempre, alvo dos mais diversos conflitos regionais, e que a dado momento desenvolveram um cartel de países exportadores (OPEP), com efeitos e influência global. Estas contingências tiveram a resposta dos países industrializados – os maiores consumidores de petróleo – estratégias focadas em reduzir a dependência e garantir o suprimento nessa nova realidade geopolítica. Entre as principais linhas de ação podemos aqui destacar o armazenamento estratégico, assumido por Portugal em momento posterior, aquando da adesão à então CEE. Uma outra medida fundamental foi a criação da Agência Internacional de Energia (a AIE foi criada em 1975), para enfrentar diretamente a OPEP. Os choques petrolíferos de 1974 e 1979 revelaram uma margem de segurança energética específica para os países em desenvolvimento, totalmente dependentes do suprimento externo, o que conduziu, pela primeira vez, à necessidade de criação de reservas estratégicas com o escopo único de reduzir essa dependência, e garantir a segurança energética das populações. Da mesma forma, o choque petrolífero de 1986 mostrou a necessidade da criação de medidas globais tendentes a garantir a soberania energética dos países importadores líquidos de petróleo. Estratégia que ficou ainda mais clara na década de 90, quando o Iraque invadiu o Kuwait, tendo como resultado o conflito do Golfo Pérsico, com a intervenção armada dos EUA. Invocando crises energéticas mais recentes, fazemos aqui referência à crise do gás entre a Federação Russa e a Ucrânia (novembro de 2013), e que provocou o risco de colapso no fornecimento de gás natural russo à União Europeia, dado que os gasodutos que transportam gás natural para a Europa atravessam território ucraniano. Desde então, a diversificação do suprimento de gás natural por mar (gás natural liquefeito, GNL) ou por terra (gasodutos) é um dos temas centrais da agenda global de segurança energética. Assim, desde o início do século XX, o núcleo da agenda de segurança energética tem sido o fornecimento contínuo, suficiente e económico de petróleo e de seus combustíveis derivados, bem sabendo que a questão do gás natural é relativamente recente, mas não menos importante, até porque, nesta fase de transição energética o gás natural, e a eletrificação da economia passam a merecer um papel de destaque; destaque que merece a nossa atenção, pela sua relevância, até porque, equilibrando redes elétricas e economizando energia excedente, representa um meio concreto de melhorar a eficiência energética e integrar mais fontes de energia renováveis nos sistemas elétricos, mas também ajudará a aumentar a segurança energética europeia e criar um mercado interno funcional e com preços mais baixos para os consumidores . Conscientes da importância, a construção do projeto europeu tem também na sua génese a preocupação pela segurança energética. Com efeito, a CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), era uma União Aduaneira energética e, em 1957, em Roma, quando se assina o Tratado da Comunidade Económica Europeia assina-se, também, o Tratado da Comunidade de Energia Atómica, manifestando os termos do tratado a preocupação com o fornecimento energético aos Estados.